O líder da UNITA, Isaías Samakuva, afirmou hoje que “estão equivocados” os que, face às medidas populares tomadas pelo Presidente angolano, pensaram que o papel da oposição ficou “esvaziado”, garantindo que sucedeu o contrário.
“E stão enganados, porque é precisamente o contrário. É o Presidente da República que vem ao encontro dos anseios do povo por mudança e é assim que deve ser”, afirmou Isaías Samakuva, numa “réplica” ao discurso sobre o estado da Nação, proferido por João Lourenço, no Parlamento, a 15 deste mês.
Tem razão. No entanto, como habitualmente, o líder da UNITA esquece-se que uma coisa é o que os políticos pensam e outra, bem diferente, é o que o Povo entende. E, hoje, os angolanos começam a pensar que afinal a Oposição já não é útil porque o “exonerador implacável” está a fazer tudo o que o país precisa.
E isto acontece porque a UNITA está em cima de um tapete rolante que anda para trás. Samakuva limita-se a andar em cima desse tapete. Fica, é claro, com a sensação de que está a ganhar terreno, mas na verdade está sempre no mesmo sítio…
Numa intervenção de pouco mais de uma hora, feita num pavilhão em Viana, 25 quilómetros a leste de Luanda, Samakuva lembrou que João Lourenço tem feito “algumas promessas e até cumprido algumas”, mas sublinhou ser ainda cedo para se tirarem conclusões sérias.
Isaías Samakuva manifestou “total disponibilidade da UNITA para trabalhar com o MPLA (partido no Poder desde 1975) e com João Lourenço”, na implementação do que considerou ser uma “agenda nacional para a mudança efectiva do sistema que capturou o Estado e institucionalizou a corrupção” no país.
Este patriotismo, este sentido de Estado evidenciado por Isaías Samakuva é visto pelo Povo (ou seja, por quem vota) como uma capitulação, como uma caminhada de derrota em derrota até à… derrota final. E assim a UNITA não vai lá. E não vai porque Angola ainda não é o que Samakuva pensa que é: um Estado de Direito onde primeiro estaria Angola e só depois os partidos.
Tanta ingenuidade política chega a parecer uma rendição total. Isto porque a UNITA sabe há muito que “Angola é o MPLA e o MPLA é Angola”. Não adianta querer acabar com a hiena pedindo a ajuda do leão. O leão derrotará a hiena e depois vai comer a UNITA.
Para o líder da UNITA, João Lourenço tem ainda um longo caminho a percorrer, até porque, disse, para se corrigir o “muito de mal que está no país”, tem de se reconhecer, primeiro, as “raízes do mal”, que estão no “partido-Estado”, o MPLA.
“A raiz do que está mal na governação não é a corrupção, nem a impunidade, nem a bajulação [palavras que João Lourenço disse no Congresso do MPLA, em Setembro, e que repetiu no Estado da Nação]. Estes três males são consequência de um mal muito maior, que é a raiz de todos os males: a própria natureza do regime político instalado em Angola pelo MPLA”, afirmou o líder da UNITA.
Isto sim. Isto é liderar a Oposição e não ter medo de dizer a verdade. Mas quando Samakuva dá uma no cravo, outra na ferradura e duas nos próprios dedos, mostra que não tem fibra para ser a alternativa. Se a tivesse nunca diria estar disponível para colaborar com o MPLA.
“Lamentar, quando o momento exige acção, é favorecer o inimigo”, afirmava Jonas Savimbi, que também disse: “Tentámos, por todos os meios possíveis, cooperar com o governo do MPLA no sentido de encontrarmos, em conjunto, formas de alcançarmos a paz e não obtivemos sucesso. Quanto mais estendo as minhas mãos em busca da paz, o governo mostra-se relutante em cooperar. Portanto senhor Jornalista, não me restam dúvidas, a guerra está a enriquecê-los e a martirizar o povo”.
Samakuva disse hoje algo parecido, mas muito inferior em convicção e espírito de luta: “No lugar do Estado de Direito Democrático, o MPLA instalou em Angola uma oligarquia que capturou o Estado e apoderou-se da economia nacional, com o objectivo calculado de criar teias de cumplicidades para subjugar a cidadania angolana e perpetuar-se no poder”.
Será que, como Jonas Savimbi, Isaías Samakuva pode hoje dizer: “Acredito que amanhã os angolanos hão-de entender o real motivo da minha luta. E nesse dia, homens e mulheres da minha pátria, letrados ou não, hão-de caminhar em busca da verdadeira paz, em busca da verdadeira democracia. Terão a coragem de enfrentar o regime. Porque não há na história da humanidade um governo que tenha oprimir um povo eternamente”?
Segundo o presidente da UNITA, a “conversão formal” do “partido-Estado” ao ideário democrático, nos anos 1990, permitiu o florescimento de uma nova modalidade, “o Estado-Predador”.
“Nesse contexto, o Estado tornou-se o pai da corrupção, o principal corruptor da Nação. Todos passaram a roubar, porque todos se aperceberam que o roubo começa lá em cima e é protegido lá de cima”, afirmou, insistindo na ideia de que, mesmo depois de João Lourenço chegar ao poder, em 2017, Angola “ainda é governada pelo sistema oligárquico do partido-Estado”.
Numa espécie de “ataque político” ao MPLA, Samakuva destacou os “cinco pilares” em que se sustenta a política do partido no poder, com a primeira a tratar-se de uma força política “dominante, que controla a economia, tribunais, forças de segurança, registo eleitoral e a organização de eleições”.
“Um Estado fraco, clientelista, sem instituições fortes e sem contrapoderes, uma adulteração progressiva e subtil da História, a pessoalização do sistema de poder real e a sua concentração formal na figura do Presidente da República e um controlo absoluto da economia e do espaço público pela mesma família biológica”, sustentou Samakuva.
Para o líder da UNITA, “se o poder corrompe, o poder excessivo e sem contrapoderes corrompe excessivamente”, pelo que o resultado “deste sistema atípico de governo” são os “actos sistemáticos de gestão danosa, crimes de peculato, quadrilha, fugas de capital, fraude e corrupção”, palavras que, no entender do líder da UNITA, “foram rebaptizadas como acumulação primitiva de capital” ou “investimento privado”.
“A captura do Estado por esse sistema de poderosos interesses políticos e económicos, instalado pelo ex-Presidente José Eduardo dos Santos, é que constitui a raiz de tudo o que está mal na estrutura do Estado e no funcionamento do Estado”, defendeu, sugerindo a João Lourenço que comece a atacar o problema “pela raiz”.
Ainda no “ataque político” ao Presidente do MPLA, Presidente da República e Titular do Poder Executivo, Samakuva questionou João Lourenço sobre se vai ou não responder aos anseios dos angolanos por uma “mudança efectiva de sistema” ou vai “limitar-se a atacar alguns dos sintomas com o objectivo de salvar o MPLA”.
“Vai adoptar uma estratégia própria para libertar o Estado das armadilhas da oligarquia ou vai mantê-lo capturado pelo sistema instalado pelo seu antecessor? Vai manter a adulteração da História (…) ou vai continuar a ter coragem para corrigir as mentiras históricas que o MPLA impôs à Nação?”, questionou Samakuva.
Mais longe, o presidente da UNITA questionou também o sentido da promessa feita por João Lourenço de criar 500 mil novos empregos, uma vez que o desemprego tem aumentado, o mesmo sucedendo com o número de crianças fora do sistema de ensino.
“Eu estou sempre acordado porque estou em constante movimento. Vocês é que estão a dormir… por isso é que o MPLA está a aldrabar-vos. Uma pátria onde não há trabalho, não há esperança no dia de amanhã, essa pátria não existe. Porque a pátria é trabalho. O vosso futuro, o futuro de angola não depende de mim, depende apenas da vossa coragem”, afirmou Isaías Samakuva? Não. Quem isto afirmou foi Jonas Malheiro Savimbi.
Discurso integral de Isaías Smakuva em http://www.samakuva.org/PT/AffiSamak.awp?pArticle=10917
Folha 8 com Lusa